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Dinheiro e Libido: Um Enlace Psicanalítico das Dinâmicas de Desejo e Poder

  • lucienedonato00
  • 2 de set. de 2024
  • 8 min de leitura

Luciene Donato Benevides

Psicóloga | Psicanalista



A relação entre o desejo pelo dinheiro e a libido pode ser compreendida através do conceito de que tanto o dinheiro quanto a libido estão conectados a formas de satisfação de necessidades e desejos mais profundos do ser humano. A libido, definida por Freud como a energia sexual ou o impulso vital que dirige os comportamentos e anseios humanos, encontra paralelos no modo como o sujeito se relaciona com o dinheiro.


O desejo por dinheiro pode ser uma forma de investimento libidinal, em que o sujeito canaliza sua energia  para a acumulação de riqueza. Isso pode ocorrer especialmente em contextos em que os desejos sexuais e relacionais não podem ser plenamente realizados ou são reprimidos.


Jacques Lacan, em "O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise" (1973), sugere que "o desejo é sempre o desejo do Outro", Quando Lacan sugere que "o desejo é sempre o desejo do Outro", ele está apontando para o fato de que o que desejamos é, em grande parte, influenciado por aquilo que percebemos como desejável aos olhos dos outros ou por aquilo que nos falta, mas que o Outro parece possuir. Essa ideia se aplica diretamente ao conceito de dinheiro como objeto de desejo.


O dinheiro, nesse sentido, não é apenas uma ferramenta para a satisfação de necessidades materiais, mas também um símbolo investido de valor no campo social e no imaginário coletivo. Ele representa um meio através do qual o sujeito pode tentar preencher a lacuna do desejo, buscando aquilo que ele acredita que o Outro valoriza — seja poder, prestígio, segurança, ou status. O dinheiro se torna um significante que encapsula o desejo de reconhecimento, a busca por validação e a tentativa de se posicionar no campo simbólico que é moldado pelas expectativas do Outro.


A lacuna deixada por desejos não satisfeitos — sejam eles desejos de amor, de completude, de identidade — pode ser temporariamente preenchida pelo investimento no dinheiro como objeto de desejo. No entanto, esse preenchimento é ilusório e sempre insuficiente, porque o desejo, por sua própria natureza, é insaciável e se realimenta perpetuamente. O sujeito pode acumular riqueza, mas nunca atingirá a plenitude ou a verdadeira satisfação, pois o desejo continuará a se deslocar para novos objetos, perpetuando o ciclo de falta.


Lacan também trabalha com o conceito de "objeto a", que é o objeto causa do desejo. O dinheiro pode funcionar como um "objeto a", na medida em que se apresenta como aquilo que poderia, hipoteticamente, preencher a falta que o sujeito sente. Mas como o "objeto a" nunca é plenamente acessível ou satisfatório, o dinheiro se torna um objeto de desejo que perpetua a ausência e a falta, reforçando a ideia de que o desejo é sempre estruturado em torno de algo que o sujeito não possui, mas que o Outro parece possuir ou valorizar.


Portanto, ao dizer que "o desejo é sempre o desejo do Outro", Lacan nos leva a compreender que o dinheiro, como qualquer outro objeto de desejo, é investido não apenas pelas suas funções utilitárias, mas como um significante dentro de uma rede simbólica de relações sociais e culturais. O sujeito, ao desejar dinheiro, muitas vezes deseja o que o dinheiro representa aos olhos do Outro — reconhecimento, poder, valor — e, assim, perpetua o ciclo de desejo que é fundamentalmente insaciável.


O dinheiro também pode funcionar como um elemento narcísico, reforçando o ego e a autoestima do sujeito. Na medida em que o dinheiro é associado a status, prestígio e poder, ele pode ser investido como um "objeto" que inflama o narcisismo do indivíduo. Para muitos, a posse de dinheiro ou de bens materiais valiosos torna-se uma extensão do próprio self, uma forma de se sentir valorizado, admirado e reconhecido. Essa relação narcísica com o dinheiro pode levar à busca incessante por acumulação como uma forma de validar a própria identidade e compensar sentimentos de inferioridade ou vulnerabilidade. No entanto, essa busca pode se tornar insaciável, já que o dinheiro, como qualquer objeto de desejo narcisista, nunca preenche totalmente a lacuna do desejo ou a necessidade de reconhecimento profundo.


Deve-se considerar, ainda, o dinheiro também pode funcionar como um elemento narcísico, reforçando o ego e a autoestima do sujeito. Na medida em que o dinheiro é associado a status, prestígio e poder, ele pode ser investido como um "objeto" que inflama o narcisismo do indivíduo. Para muitos, a posse de dinheiro ou de bens materiais valiosos torna-se uma extensão do próprio self, uma forma de se sentir valorizado, admirado e reconhecido. Essa relação narcísica com o dinheiro pode levar à busca incessante por acumulação como uma forma de validar a própria identidade e compensar sentimentos de inferioridade ou vulnerabilidade. No entanto, essa busca pode se tornar insaciável, já que o dinheiro, como qualquer objeto de desejo narcisista, nunca preenche totalmente a lacuna do desejo ou a necessidade de reconhecimento profundo.


Deve-se considerar, ainda, o dinheiro como substituto do falo. Na psicanálise, o conceito de "falo" vai além de seu significado anatômico, sendo um símbolo central na teoria freudiana que representa poder, autoridade, desejo e completude. O falo não é o órgão em si, mas o que ele simboliza em termos de poder simbólico e psicológico dentro das relações humanas. Nesse contexto, o dinheiro pode ser visto como um representante do falo, pois ele encapsula muitas das qualidades que o falo simboliza.


O dinheiro, assim como o falo, é visto como um meio de poder e influência no mundo. Ele permite ao indivíduo exercer controle, adquirir o que deseja e obter reconhecimento e prestígio. Na economia simbólica das relações humanas, possuir dinheiro é equivalente a possuir o falo: é ter acesso àquilo que dá poder, status e a capacidade de influenciar os outros. Isso é particularmente evidente nas culturas onde a riqueza é altamente valorizada e se torna uma medida de sucesso e competência.


Na dinâmica psicanalítica, o dinheiro como representante do falo está relacionado à noção de castração, que na teoria freudiana se refere ao medo da perda de poder ou valor simbólico. O desejo de acumular dinheiro pode ser visto como uma tentativa de evitar essa "castração", de proteger o poder e o status que ele representa. A ameaça de perda de dinheiro, portanto, não é apenas uma preocupação econômica, mas uma ameaça à identidade e ao lugar do sujeito no mundo social.


Lacan, ao ampliar as ideias freudianas, também discute o falo como um significante central em torno do qual o desejo se organiza. O dinheiro, como representante do falo, pode ser visto como um significante em torno do qual muitos desejos humanos se estruturam. Ele se torna um objeto de desejo que promete (mas nunca cumpre totalmente) a satisfação, a completude e a eliminação da falta que o sujeito experimenta.


Portanto, o dinheiro como representante do falo na psicanálise revela como ele opera não apenas no nível econômico, mas também no psicológico, funcionando como um símbolo poderoso que molda identidades, relações e desejos dentro da estrutura simbólica e social.


Quando o desejo por dinheiro assume um papel central na vida psíquica do indivíduo, ele pode caracterizar um sintoma, especialmente na forma de compulsões e obsessões. Esse comportamento compulsivo em relação ao dinheiro pode ser visto, por exemplo, na avareza extrema ou na obsessão por acumulação, que Freud chamou de "neurose obsessiva" em "Caracteres e Tipos Psicológicos" (1931).


Na psicanálise, a neurose obsessiva é caracterizada por pensamentos intrusivos e comportamentos repetitivos que o sujeito sente que deve realizar para evitar um sentimento de angústia ou ansiedade. A relação com o dinheiro nessa condição pode se manifestar de diversas maneiras, refletindo os mecanismos de defesa e as dinâmicas inconscientes que estruturam o quadro obsessivo.


Um dos comportamentos mais comuns na neurose obsessiva é a acumulação compulsiva de dinheiro. Nessa situação, o dinheiro deixa de ser apenas um meio de troca ou uma garantia de segurança futura, adquirindo um valor simbólico exagerado. Para o neurótico obsessivo, acumular dinheiro pode se tornar uma forma de tentar controlar a angústia profunda associada a sentimentos de falta, perda ou vulnerabilidade.  A acumulação de dinheiro, nesse sentido, serve como uma tentativa de compensar  sentimentos contraditórios, proporcionando ao sujeito uma ilusão de controle sobre um mundo percebido como ameaçador ou imprevisível.


Outro exemplo típico da relação com o dinheiro na neurose obsessiva é o ritual de contagem ou verificação constante. Esse comportamento é motivado pela necessidade de garantir que nada foi perdido ou mal utilizado, refletindo uma obsessão por ordem e controle. O ato de contar dinheiro repetidamente pode ser visto como uma forma de aliviar temporariamente a ansiedade, mas, ao mesmo tempo, reforça o ciclo obsessivo. Esse tipo de ritualização está ligado ao que Freud descreveu como "compulsão à repetição", onde o sujeito é levado a repetir certas ações ou pensamentos como uma forma de lidar com conteúdos psíquicos que não podem ser plenamente integrados ou resolvidos. No caso do dinheiro, a compulsão à repetição pode ser observada na verificação incessante de contas, economias ou despesas, mesmo quando não há uma necessidade prática para tal comportamento.


A relação do obsessivo com o dinheiro pode estar profundamente marcada por sentimentos de ambivalência e culpa. O obsessivo pode sentir que não merece o dinheiro que possui ou, ao contrário, pode se sentir culpado por gastar ou perder dinheiro. Esses sentimentos de culpa estão frequentemente ligados a desejos inconscientes de destruição ou agressão, que são reprimidos e deslocados para o objeto dinheiro. Freud argumenta que esses sentimentos de culpa na neurose obsessiva estão relacionados à formação de um superego particularmente severo.


O superego é uma das três partes que compõem a estrutura psíquica na teoria freudiana, ao lado do id e do ego. Ele representa a internalização das normas, valores e ideais morais da sociedade, funcionando como uma espécie de juiz ou censor da mente. O superego se desenvolve a partir das influências parentais e culturais e é responsável por sentimentos de culpa, vergonha e a exigência de comportamentos éticos, impondo padrões morais ao ego e regulando os impulsos do id.


O superego do neurótico obsessivo é implacável na imposição de padrões morais rígidos, e o dinheiro pode se tornar um campo de batalha onde essas exigências internas são projetadas. O sujeito pode sentir que deve economizar ao máximo ou evitar gastos que poderiam ser considerados "frívolos" como uma forma de evitar a punição inconsciente de seu superego.


Por fim, o dinheiro na neurose obsessiva pode ser investido como um símbolo de poder e controle. Para o neurótico obsessivo, que muitas vezes luta com sentimentos de impotência ou medo de perda de controle, o dinheiro pode se transformar em uma extensão de sua vontade de poder. A retenção de dinheiro pode ser uma tentativa de evitar a dependência de outros, mantendo assim uma ilusão de autonomia e autossuficiência. No entanto, esse investimento simbólico no dinheiro como fonte de poder é problemático, pois perpetua o ciclo de obsessão e ansiedade. O sujeito se vê preso em uma busca incessante por mais dinheiro ou em um esforço constante para proteger o que já possui, sem nunca atingir um verdadeiro estado de segurança ou satisfação.


Portanto, na neurose obsessiva, a relação com o dinheiro é marcada por uma profunda ambivalência, onde o dinheiro serve tanto como uma fonte de segurança quanto como um objeto de culpa e ansiedade. O dinheiro vai além de seu valor econômico, tornando-se um símbolo carregado de significados inconscientes que refletem os conflitos internos do sujeito. A obsessão pelo controle e a compulsão à repetição são formas de lidar com a ansiedade e a angústia, mas, paradoxalmente, acabam reforçando o ciclo neurótico, perpetuando a insatisfação e o sofrimento psíquico.



Referências


1. Freud, Sigmund. Totem e Tabu. 1913.

   - "A troca de objetos não é apenas uma forma de se obter posses, mas também um meio de satisfação substitutiva dos impulsos sexuais."


2. Lacan, Jacques. O Seminário, Livro 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1973.

   - "O desejo é sempre o desejo do Outro."


3. Freud, Sigmund. Caracteres e Tipos Psicológicos. Rio de Janeiro: Imago, 1931.

   - Discussão sobre "neurose obsessiva".


4. Lacan, Jacques. Écrits. Paris: Seuil, 1966.

   - "O sujeito neurótico está preso na demanda, buscando incessantemente algo que não pode alcançar."

 
 
 
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